Sou um caçador. Não um caçador
comum, desses que entram no meio do mato para trucidar bichos. Eu caço pessoas.
Não, não interprete errado. Eu não tiro a vida das pessoas. Na verdade eu meu
objetivo é construir uma vida ao lada de uma dessas pessoas.
Bem, eu coloquei a carroça na
frente dos burros, me deixe lhe situar melhor. Meu nome é Corky, e venho de um
lugar bem simples. A minha época e localização não são importantes. O que você precisa saber, é que eu venho de um
lugar onde as pessoas se levantam com o sol e dormem com o mesmo. A vida
naquele lugar é simples, todos dependem de seu próprio esforço para sobrevier.
Comem o que plantam e plantam o que comem. Lá, o arado é movido a bois e as
ferramentas são arcaicas e deixam calos. É um lugar pequeno para quem vem de
fora, e enorme para quem nunca saiu. Como eu a um ano atrás.
Eu não tinha muito, mas a vida
era cômoda. De manhã eu cuidava da plantação, e dos animais, e a tarde ia ao
mercado trocar ovos, hortaliças ou galinhas, pelo que estivesse precisando.
Fazia meus próprios horários, e não devia nada a ninguém. A vida era muito
tranquila, mas faltava algo…
Algo tirava o meu sono, mas não
sabia dizer o que era. Não faltava comida e minha casa, apesar de simples, era
muito aconchegante. Eu tinha amigos, mais do que consigo contar, mas mesmo
perto deles a vida não parecia divertida. A sensação que eu tinha, era parecida
com aquela que temos quando tomamos uma sopa sem tempero. Não havia tempero em
minha vida, e demorei para descobrir qual era o tempero da vida. A epifania
veio em uma noite fria, quando me virei no colchão lutando contra a insônia e
me encolhendo dentro das cobertas, e percebi que tudo que eu possuía para
abraçar, era meu velho travesseiro sem vida. Percebi que mesmo quando cercado
de pessoas, eu ainda estava sozinho…
Tentei, juro que tentei, mas não
fui capaz de encontrar em minha vila alguém que eu pudesse compartilhar a minha
vida. A maioria das mulheres com idade para casar, que não eram muitas, já eram
comprometidas ou não poderiam aceitar minha oferta de casamento por diversos
motivos.
— Então… - disse uma delas – Você
é um rapaz, bonito… Inteligente… E essas coisas todas, mas estou procurando
algo diferente… - completou evasiva a jovem que anos mais tarde fugiu da vila,
no calar da madrugada, com medo do esposo que chegava bêbado todas as noites.
As desculpas eram sempre
adocicadas com adjetivos que me faziam um homem ideal, como “cara legal”,
“rapaz bonito”, “inteligente”, “sujeito perfeito”, entre outros, mas sempre
havia um “mas” que colocava tudo por terra. Tudo bem. Eu não iria querer passar
a minha vida ao lado de alguém que não gostasse de mim.
— Te acho chato – uma da ultimas
me respondeu. – Preferia passar a minha vida em um buraco cheio de serpentes, a
me casar com você – essa pelo menos foi sincera. Me magoou menos que a garota
que simplesmente riu, quando perguntei se ela teria interesse em mim, e não me
deu uma resposta sequer. Na verdade eu acredito que ela ainda esteja rindo até
hoje.
Estava decidido. Se eu quisesse
ser feliz, teria que arriscar abandonar o meu mundo seguro e estável. Teria que
me aventurar em terras desconhecidas e enfrentar meus medos. Minhas posses não
valeriam de nada, se não houvesse alguém com quem repartir. Fiz minha mochila,
coloquei apenas o necessário, e fui embora da vila, sem olhar para trás.
— Ei moço! – gritou uma menina,
mas pelo jeito que pela idade já tínhamos quase a mesma. – Para onde vai com
tanta pressa? – disse com olhar tomado pela curiosidade.
— Vou em busca da felicidade! –
disse com firmeza, para a jovem de pele morena e sorriso fácil. Isso aconteceu
ainda no primeiro dia de viagem.
— E como ela é? – Ela diz,
aparentemente interessada.
— A felicidade não tem rosto, ela
tem várias formas e aparece de muitos jeitos. A felicidade que procuro, precisa
ter um olhar acalentador, um sorriso reconfortante, uma palavra amiga e
principalmente, calor para aquecer minhas noites mais frias.
— Você quer dizer que está
procurando uma mulher? – por pouco não dei uma resposta mal educada, mas o olhar
da moça emanava sinceridade com sua observação. Apenas confirmei com a cabeça.
– Então eu também quero ir com você encontrar a felicidade.
Não vi problema e deixei que ela
viesse comigo. A princípio a jornada não parecia difícil, eu possuía tudo que
precisava na mochila, e agora possuía uma agradável companhia, mas a verdade é
que não foi bem assim. Na primeira cidade que parei, haviam muitas mulheres
disponíveis e uma em particular se demostrou atraída. Me precipitei e fiquei
muito feliz. Se eu soubesse…
Ela insistiu em formalizar a
nossa união no dia seguinte. Para minha surpresa quando cheguei em sua casa,
havia um pequeno grupo de homens do lado de fora. A maioria deles eram fortes e
intimidadores.
— O que querem esses homens? –
perguntei a mulher.
— Estão aqui pela minha mão.
— Como se está prometida a mim?
— Me casarei com o que se mostrar
mais forte. Quero um homem que me proteja. Lute com todos e se for o melhor, me
caso com você.
Achei um absurdo, claro, mas a
princípio acabei aceitando a disputa. Modéstia parte, me viro bem em uma
contenta. Porém, lá pelo sexto homem, eu estava com ambos os olhos roxos e
inchados, meus joelhos estavam aos frangalhos e meus punhos parecia duas
ameixas gigantes, tanto pela cor, quanto pelo inchaço. A mulher parecia se
divertir, e pela primeira vez na vida eu achei que ia morrer.
Quando finalmente eu comecei a
ceder ao cansaço, e principalmente pela dor. Kiara, o nome da moça de tez
morena que viajava comigo, entrou na “arena” e jogou terra nos olhos de meu
adversário. Ela me puxou pelos braços, e ignorando meus protestos, me levou
para bem longe da luta e da possibilidade de me conjugar com a moça.
Quis gritar com ela, e
repreende-la, mas não pude culpa-la. Ela foi amiga, e quis apenas me poupar dos
danos da luta. Durante uma semana ela me ajudou a curar as feridas, e nos três
primeiros dias, se ocupou de cozinhar e ascender a fogueira. Nunca vi ninguém
tão dedicada.
A história se repetia em todas as
cidades. Algumas queriam pretendentes fortes, outras preferiam os ricos, teve
aquelas que não sabia o que queriam. Foi engraçado, pois as desculpas que eu
recebia, cada vez mais faziam menos sentido.
— Você é jovem demais.
— Você é velho demais.
— Quero alguém engraçado.
— Preciso de alguém sério.
— Gordo!
— Magro!
Foi então que percebi que não
havia verdades nas desculpas que me davam. Notei que na verdade a maioria
delas, apenas não queriam ferir meus sentimentos. Mas as mentiras que me
contavam, cortavam o meu espírito e o deixava agonizando. Prefiro a punhalada
de uma cruel verdade, do que ser envenenado por uma doce mentira.
Estava então, sentado ao pé de
uma arvore, nos limites da última vila que visitei, sendo cuidado por Kiara,
que passava uma pasta verde feita de raízes, em vários arranhões espalhados
pelo meu corpo. Arranhões que consegui, ao correr em uma encosta, atrás de um
queijo, competindo com vários homens bêbados, porque uma dama disse que se casaria
com quem pegasse o queijo. Fui golpeado, trombado, pisado e acabei terminando
meu percurso deslizando com o queixo por toda a encosta, em meio a lama e
cascalho.
— Corky, vale a pena se machucar
para encontrar o amor? – Kiara me perguntou.
— É melhor do se envenenar com o
ódio.
— E como você vai saber que
encontrou o amor verdadeiro?
— Quando conhecer alguém, que
cuide de mim, goste de conversar comigo, goste de ficar comigo, de forma
incondicional. E principalmente, que também tenha medo das noites frias e
solitárias.
— Corky… Eu tenho medo das noites
frias e solitárias… - Kiara disse, exibindo brilho em seus olhos.
Ela cuidou de mim, me aqueceu e
ficou ao meu lado sem nunca reclamar ou pedir algo em troca. Pra ela, era
suficiente apenas ficar ao meu lado. Eu fiquei tão ocupado em encontrar a
felicidade, que não percebi que ela sempre esteve ao meu lado, apenas esperando
o momento certo para ser notada.
Me casei com Kiara.
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